segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Batida de Pitomba

Marcelo Mário de Melo



Acho que fiz um dia uma batida de pitomba, somente, para poder contar a história.

Para um litro de batida, você junta dez cachos de pitomba madura, retira as cascas, desprende dos caroços a polpa e, com a massa, procede como numa batida comum. Para chegar a esse resultado são exigidos o empenho artesanal e o domínio de algumas técnicas.

Primeiro, temos de aprender a pegar pela metade e manter seguro o caroço da pitomba, usando os dedos indicador e polegar. Depois de muitas tentativas isto é conseguido. Lembrem-se de que estamos operando com as escorregadias pitombas maduras. Manipulando uma faca de serrilha na ponta, passamos então a retirar a polpa da metade exposta do caroço. É preciso muito cuidado para que não ocorra a raspagem do caroço. Se isto ocorrer, será desprendida dele a película vermelha, que desnatura o gosto.

O segundo aprendizado consiste em girar um pouco o caroço nos dedos, para expor novas faces a serem trabalhadas com a faca. Esses giros acrescentam mais dificuldade, sendo maior a quantidade de vezes em que o caroço escorrega e cai, até se adquirir o domínio do movimento. Quando aprendemos a técnica, temos então despojada, com seis a sete giros, uma metade do caroço. A partir daí se tornam mais fáceis, no trabalho sobre a outra metade, as operações de segurar e girar.

Na retirada da polpa da pitomba vivemos duas fases distintas: o desnudamento da primeira metade do caroço, que exige mais atenção e destreza, e a despolpa da segunda, quando podemos reter e movimentar com mais desenvoltura a parte nua. Essas fases são curtas, alternadas e repetidas, num volume de dez cachos, caroço a caroço, exigindo que as perpasse uma atenção estável. Assim evitamos que, na segunda fase, a maior facilidade conduza à aceleração ou à intensificação da força no uso da faca, resultando em agressões à película do caroço, cuja incolumidade deve permanecer como uma regra de ouro, pois é isto que permite garantir à batida o puro sabor da pitomba.

Manter a paciência e o ritmo durante cinco a sete horas é a receita comportamental exigida para a produção de uma batida de pitomba. Diferentemente das corridas de cem metros rasos, ela reclama contenção e leveza de balé e carícia.Também é essencial que o aprendiz esteja genuinamente motivado, tendo em alta o humor, o gosto em servir aos convivas, beber com eles, curtir o seu deliciamento e lhes falar do fabrico.

Fazer uma batida de pitomba é assumir uma performance detalhista, narcísica e generosa.

Setembro, 2001

Um comentário:

Sandra disse...

Adorei! Agora entendi porque não encontro em lugar nenhum como tirar a polpa da pitomba!
Até me animei!!! Obrigada!